Esta pracinha sem aquela pelada virou uma chatice completa: agora, é uma babá que passa,
empurrando, sem afeto, um bebê de carrinho, é um par de velhos que troca silêncios num
banco sem encosto.
E, no entanto, ainda ontem, isso aqui fervia de menino, de sol, de bola, de sonho:
"eu jogo na linha! eu sou o Lula!; no gol, eu não jogo, tô com o joelho ralado de
ontem; vou ficar aqui atrás: entrou aqui, já sabe." Uma gritaria, todo mundo se
escalando, todo mundo querendo tirar o selo da bola, bendito fruto de uma suada vaquinha.
Oito de cada lado e, para não confundir, um time fica como está; o outro jogo sem
camisa.
Já reparei uma coisa: bola de futebol, seja nova, seja velha, é um ser muito
compreensivo que dança conforme a música: se está no Maracanã, numa decisão de
título, ela rola e quiçá com um ar dramático, mantendo sempre a mesma pose adulta,
esteja nos pés de Gérson ou nas mãos de um gandula.
Em compensação, num racha de menino ninguém é mais sapeca: ela corre para cá, corre
para lá, quiçá no meio-fio, pára de estalo no canteiro, lambe a canela de um, deixa-se
espremer entre mil canelas, depois escapa, rolando, doida, pela calçada. Parece um
bichinho.
Aqui, nessa pelada inocente é que se pode sentir a pureza de uma bola. Afinal, trata-se
de uma bola profissional, uma número cinco, cheia de carimbos ilustres: "Copa
Rio-Oficial", "FIFA - Especial." Uma bola assim, toda de branco, coberta de
condecorações por todos os gomos (gomos hexagonais!) jamais seria barrada em recepção
do Itamarati.
No entanto, aí está ela, correndo para cima e para baixo, na maior farra do mundo,
disputada, maltratada até, pois, de quando em quando, acertam-lhe um bico, ela sai
zarolha, vendo estrelas, coitadinha.
Racha é assim mesmo: tem bico, mas tem também sem-pulo de craque como aquele do Tona,
que empatou a pelada e que lava a alma de qualquer bola. Uma pintura.
Nova saída.
Entra na praça batendo palmas como quem enxota galinha no quintal. É um velho com cara
de guarda-livros que, sem pedir licença, invade o universo infantil de uma pelada e vai
expulsando todo mundo. Num instante, o campo está vazio, o mundo está vazio. Não deu
tempo nem de desfazer as traves feitas de camisas.
O espantalho-gente pega a bola, viva, ainda, tira do bolso um canivete e dá-lhe a
primeira espetada. No segundo golpe, a bola começa a sangrar.
Em cada gomo o coração de uma criança.
Conta uma realidade porque ninguem mais ta nem ai pra nada , ver uma velhinha passando ou uma mãe empurrando um carinho é sem graça de ver , mais jogar futebol sempre é melhor.
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