segunda-feira, 2 de junho de 2014

Passeio Noturno Rubem Fonseca

Cheguei em casa carregando a pasta cheia de papéis, relatórios, estudos, pesquisas, propostas, contratos. Minha mulher, jogando paciência na cama, um copo de uísque na mesa de cabeceira, disse, sem tirar os olhos das cartas, você está com um ar cansado. Os sons da casa: minha filha no quarto dela treinando impostação de voz, a música quadrifônica do quarto do meu filho. Você não vai largar essa mala?, perguntou minha mulher, tira essa roupa, bebe um uisquinho, você precisa aprender a relaxar.
Fui para a biblioteca, o lugar da casa onde gostava de ficar isolado e como sempre não fiz nada. Abri o volume de pesquisas sobre a mesa, não via as letras e números, eu esperava apenas. Você não pára de trabalhar, aposto que os teus sócios não trabalham nem a metade e ganham a mesma coisa, entrou a minha mulher na sala com o copo na mão, já posso mandar servir o jantar?
A copeira servia à francesa, meus filhos tinham crescido, eu e a minha mulher estávamos gordos. É aquele vinho que você gosta, ela estalou a língua com prazer. Meu filho me pediu dinheiro quando estávamos no cafezinho, minha filha me pediu dinheiro na hora do licor. Minha mulher nada pediu, nós tínhamos conta bancária conjunta. Vamos dar uma volta de carro?, convidei. Eu sabia que ela não ia, era hora da novela. Não sei que graça você acha em passear de carro todas as noites, também aquele carro custou uma fortuna, tem que ser usado, eu é que cada vez me apego menos aos bens materiais, minha mulher respondeu.
Os carros dos meninos bloqueavam a porta da garagem, impedindo que eu tirasse o meu. Tirei os carros dos dois, botei na rua, tirei o meu, botei na rua, coloquei os dois carros novamente na garagem, fechei a porta, essas manobras todas me deixaram levemente irritado, mas ao ver os pára-choques salientes do meu carro, o reforço especial duplo de aço cromado, senti o coração bater apressado de euforia. Enfiei a chave na ignição, era um motor poderoso que gerava a sua força em silêncio, escondido no capô aerodinâmico. Saí, como sempre sem saber para onde ir, tinha que ser uma rua deserta, nesta cidade que tem mais gente do que moscas. Na avenida Brasil, ali não podia ser, muito movimento. Cheguei numa rua mal iluminada, cheia de árvores escuras, o lugar ideal. Homem ou mulher? Realmente não fazia grande diferença, mas não aparecia ninguém em condições, comecei a ficar tenso, isso sempre acontecia, eu até gostava, o alívio era maior. Então vi a mulher, podia ser ela, ainda que mulher fosse menos emocionante, por ser mais fácil. Ela caminhava apressadamente, carregando um embrulho de papel ordinário, coisas de padaria ou de quitanda, estava de saia e blusa, andava depressa, havia árvores na calçada, de vinte em vinte metros, um interessante problema a exigir uma grande dose de perícia. Apaguei as luzes do carro e acelerei. Ela só percebeu que eu ia para cima dela quando ouviu o som da borracha dos pneus batendo no meio-fio. Peguei a mulher acima dos joelhos, bem no meio das duas pernas, um pouco mais sobre a esquerda, um golpe perfeito, ouvi o barulho do impacto partindo os dois ossões, dei uma guinada rápida para a esquerda, passei como um foguete rente a uma das árvores e deslizei com os pneus cantando, de volta para o asfalto. Motor bom, o meu, ia de zero a cem quilômetros em nove segundos. Ainda deu para ver que o corpo todo desengonçado da mulher havia ido parar, colorido de sangue, em cima de um muro, desses baixinhos de casa de subúrbio.
Examinei o carro na garagem. Corri orgulhosamente a mão de leve pelos pára-lamas, os pára-choques sem marca. Poucas pessoas, no mundo inteiro, igualavam a minha habilidade no uso daquelas máquinas.
A família estava vendo televisão. Deu a sua voltinha, agora está mais calmo?, perguntou minha mulher, deitada no sofá, olhando fixamente o vídeo. Vou dormir, boa noite para todos, respondi, amanhã vou ter um dia terrível na companhia.

Essa crônica é muito diferente, por isso escolhi ela.  Uma pessoa que assassina por prazer só por estar estressado com a sua vida, estar gordo por não se cuidar, estressar-se com apenas ter que tirar o carro da garagem. Na minha opnião esta pessoa deve estar com algum rancor, deve estar com a consiência pesada por isso sai atras de algo para acalmá-lo e esse algo é atropelar alguém com um carro que propriamente foi comprado para isso, ou seja, mais potente que normalmente os outros. É uma situação sobre a qual é importante refletir.    Douglas Fernando Spengler

A Última Crônica - Paródia

Um dia eu ia caminhando
inspiração eu buscava
Entrei em um botequim
sentei e um café eu pedi

Avistei um casal de pretos
que no botequim entraram
Sentaram-se ali na mesa
Comecei a observa-los

O pai discretamente
o dinheiro ia contando
Porque um pedaço de bolo
ele queria comprar

A negrinha muito anciosa
esperava o garçom chegar
Com seu pedaço de bolo
para poder provar

O garçom muito grosso
o pedaço de bolo pegou
Jogou ali no pratinho
e pra família entrgou

A mãe mexendo na bolsa
três velinhas então retirou
E discretamente cantaram
" Parabéns pra você "

Então a mãe recolhe
as três velinhas do bolo
E passou a observar
a negrinha anciosa comendo

O pai então percebe
que eu os observava
Meio constrangido
deu um sorriso sincero

Agora eu já sei
como vai ser a história
Um casal de pretos
humildes e unidos

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Cobrança - Moacyr Scliar

Ela abriu a janela e ali estava ele, diante da casa, caminhando de um lado para outro. Carregava um cartaz, cujos dizeres atraíam a atenção dos passantes: "Aqui mora uma devedora inadimplente".
        ― Você não pode fazer isso comigo ― protestou ela.
      ― Claro que posso ― replicou ele. ― Você comprou, não pagou. Você é uma devedora inadimplente. E eu sou cobrador. Por diversas vezes tentei lhe cobrar, você não pagou.
        ― Não paguei porque não tenho dinheiro. Esta crise...
        ― Já sei ― ironizou ele. ― Você vai me dizer que por causa daquele ataque lá em Nova York seus negócios ficaram prejudicados. Problema seu, ouviu? Problema seu. Meu problema é lhe cobrar. E é o que estou fazendo.
        ― Mas você podia fazer isso de uma forma mais discreta...
       ― Negativo. Já usei todas as formas discretas que podia. Falei com você, expliquei, avisei. Nada. Você fazia de conta que nada tinha a ver com o assunto. Minha paciência foi se esgotando, até que não me restou outro recurso: vou ficar aqui, carregando este cartaz, até você saldar sua dívida.

        Neste momento começou a chuviscar.
        ― Você vai se molhar ― advertiu ela. ― Vai acabar ficando doente.
        Ele riu, amargo:                                                                                                                     
        ― E daí? Se você está preocupada com minha saúde, pague o que deve.
        ― Posso lhe dar um guarda-chuva...
        ― Não quero. Tenho de carregar o cartaz, não um guarda-chuva.
        Ela agora estava irritada:
       ― Acabe com isso, Aristides, e venha para dentro. Afinal, você é meu marido, você mora aqui.
      ― Sou seu marido ― retrucou ele ― e você é minha mulher, mas eu sou cobrador profissional e você é devedora. Eu avisei: não compre essa geladeira, eu não ganho o suficiente para pagar as prestações. Mas não, você não me ouviu. E agora o pessoal lá da empresa de cobrança quer o dinheiro. O que quer você que eu faça? Que perca meu emprego? De jeito nenhum. Vou ficar aqui até você cumprir sua obrigação.
       Chovia mais forte, agora. Borrada, a inscrição tornara-se ilegível. A ele, isso pouco importava: continuava andando de um lado para outro, diante da casa, carregando o seu cartaz.


 A cronica fala de um cobrador que vai cobrar uma mulher que lhe deve um dinheiro a muito tempo. Ele carrega um cartaz que diz ''Aqui mora uma mulher inadimplente'', esse homem é seu marido que está cobrando uma geladeira que ela comprou e ele reclama que não consegue pagar as prestações.

Peladas Armando Nogueira

Esta pracinha sem aquela pelada virou uma chatice completa: agora, é uma babá que passa, empurrando, sem afeto, um bebê de carrinho, é um par de velhos que troca silêncios num banco sem encosto.

E, no entanto, ainda ontem, isso aqui fervia de menino, de sol, de bola, de sonho: "eu jogo na linha! eu sou o Lula!; no gol, eu não jogo, tô com o joelho ralado de ontem; vou ficar aqui atrás: entrou aqui, já sabe." Uma gritaria, todo mundo se escalando, todo mundo querendo tirar o selo da bola, bendito fruto de uma suada vaquinha.

Oito de cada lado e, para não confundir, um time fica como está; o outro jogo sem camisa.

Já reparei uma coisa: bola de futebol, seja nova, seja velha, é um ser muito compreensivo que dança conforme a música: se está no Maracanã, numa decisão de título, ela rola e quiçá com um ar dramático, mantendo sempre a mesma pose adulta, esteja nos pés de Gérson ou nas mãos de um gandula.

Em compensação, num racha de menino ninguém é mais sapeca: ela corre para cá, corre para lá, quiçá no meio-fio, pára de estalo no canteiro, lambe a canela de um, deixa-se espremer entre mil canelas, depois escapa, rolando, doida, pela calçada. Parece um bichinho.

Aqui, nessa pelada inocente é que se pode sentir a pureza de uma bola. Afinal, trata-se de uma bola profissional, uma número cinco, cheia de carimbos ilustres: "Copa Rio-Oficial", "FIFA - Especial." Uma bola assim, toda de branco, coberta de condecorações por todos os gomos (gomos hexagonais!) jamais seria barrada em recepção do Itamarati.

No entanto, aí está ela, correndo para cima e para baixo, na maior farra do mundo, disputada, maltratada até, pois, de quando em quando, acertam-lhe um bico, ela sai zarolha, vendo estrelas, coitadinha.

Racha é assim mesmo: tem bico, mas tem também sem-pulo de craque como aquele do Tona, que empatou a pelada e que lava a alma de qualquer bola. Uma pintura.

Nova saída.

Entra na praça batendo palmas como quem enxota galinha no quintal. É um velho com cara de guarda-livros que, sem pedir licença, invade o universo infantil de uma pelada e vai expulsando todo mundo. Num instante, o campo está vazio, o mundo está vazio. Não deu tempo nem de desfazer as traves feitas de camisas.

O espantalho-gente pega a bola, viva, ainda, tira do bolso um canivete e dá-lhe a primeira espetada. No segundo golpe, a bola começa a sangrar.

Em cada gomo o coração de uma criança.



 Conta uma realidade porque ninguem mais ta nem ai pra nada , ver uma velhinha passando ou uma mãe empurrando um carinho é sem graça de ver , mais jogar futebol sempre é melhor.




o amor acaba-Paulo Mendes Campos

O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.


Escolhi essa crônica porque concordo com o tema dela "O amor acaba", ele pode realmente acabar por qualquer motivo fútil, ele nos deixa ou troca o amor por outro sentimento, o ser humano é algo aleatório, cada um tem o seu modo de viver e pensar.

Paródia -Já viu? Música "cê topa" Luan Santana

Já viu?

Já imaginou se a gente for
Um pouco diferente no nosso problema?
Já pensou transformar
Nossos números em amizade?


Presta atenção, em tudo a gente se esbarra.
Somos as pessoas mais infelizes.
Chega do medo de apanhar.
Eu tenho uma proposta para te fazer...


Eu, vizinho, dois números, um problema,
um prédio, numa rua chamada zebra
É aí, já viu?


Eu, vizinho, dois números, um problema,
um prédio, numa rua chamada zebra
É aí, já viu?


Presta atenção em tudo a gente se esbarra.
Somos as pessoas mais infelizes.
Chega do medo de apanhar.
Eu tenho uma proposta para te fazer.


Eu, vizinho, dois números, um problema,
um prédio, numa rua chamada zebra
É aí, já viu?


Eu, vizinho, dois números, um problema,
um prédio, numa rua chamada zebra
É aí, já viu?

CEM CRUZEIROS A MAIS - FERNANDO SABINO

CEM CRUZEIROS A MAIS


  Ao receber certa quantia num guichê do Ministério, verificou que o funcionário lhe havia dado cem cruzeiros e mais. Quis voltar para devolver, mas outras pessoas protestaram: entrasse na fila.
Esperou pacientemente a vez, para que o funcionário lhe fechasse na cara a janelinha de vidro:
- Tenham paciência, mas está na hora do meu café.
Agora era uma questão de teimosia. Voltou à tarde, para encontrar fila maior – não conseguiu sequer aproximar-se do guichê antes de encerrar-se o expediente.
No dia seguinte era o primeiro da fila:
- Olha aqui: o senhor ontem me deu cem cruzeiros a mais.
- Eu?
Só então reparou que o funcionário era outro.
- Seu colega, então. Um de bigodinho.
- O Mafra.
- Se o nome dele é Mafra, não sei dizer.
- Só pode ter sido o Mafra. Aqui só trabalhamos eu e o Mafra. Não fui eu. Logo...
Ele coçou a cabeça, aborrecido:
- Está bem, foi o Mafra. E daí?
O funcionário lhe explicou com toda urbanidade que não podia responder pela distração do Mafra:
- Isto aqui é uma pagadoria, meu chapa. Não posso receber, só posso pagar. Receber, só na recebedoria. O próximo!
O próximo da fila, já impaciente, empurrou-o com o cotovelo. Amar o próximo como a ti mesmo! Procurou conter-se e se afastou, indeciso. Num súbito impulso de indignação - agora iria até o fim - dirigiu-se à recebedoria.
- O Mafra? Não trabalha aqui, meu amigo, nem nunca trabalhou.
- Eu sei. Ele é da pagadoria. Mas foi quem me deu os cem cruzeiros a mais.
Informaram-lhe que não podiam receber: tratava-se de uma devolução, não era isso mesmo? E não de pagamento. Tinha trazido a guia? Pois então? Onde já se viu pagamento sem guia? Receber mil cruzeiros a troco de quê?
- Mil não: cem. A troco de devolução.
- Troco de devolução. Entenda-se.
- Pois devolvo e acabou-se.
- Só com o chefe. O próximo!
O chefe da seção já tinha saído: só no dia seguinte. No dia seguinte, depois de fazê-lo esperar mais de meia hora, o chefe informou-se que deveria redigir um ofício historiando o fato e devolvendo o dinheiro.
- Já que o senhor faz tanta questão de devolver.
- Questão absoluta.
- Louvo o seu escrúpulo.
- Mas o nosso amigo ali do guichê disse que era só entregar ao senhor – suspirou ele.
- Quem disse isso?
- Um homem de óculos naquela seção do lado de lá. Recebedoria, parece.
- O Araújo. Ele disse isso, é? Pois olhe: volte lá e diga-lhe para deixar de ser besta. Pode dizer que fui eu que falei. O Araújo sempre se metendo a entendido!
- Mas e o ofício? Não tenho nada com essa briga, vamos fazer logo o ofício.
- Impossível: tem de dar entrada no protocolo.

Saindo dali, em vez de ir ao protocolo, ou ao Araújo para dizer-lhe que deixasse de ser besta, o honesto cidadão dirigiu-se ao guichê onde recebera o dinheiro, fez da nota de cem cruzeiros uma bolinha, atirou-a lá dentro por cima do vidro e foi-se embora. 


Gostei da crônica,pois o homem demonstrou ser honesto,e que quando queremos uma coisa devemos ir em busca dela,ser teimoso mesmo,se fosse outra pessoa teria pego o dinheiro,e ficado muito feliz em ter recebido a mais,e nem sequer iria pensar em devolver. 

O melhor amigo de fernando sabino

                                                          O melhor amigo

A mãe estava na sala, costurando. O menino abriu a porta da rua, meio ressabiado, arriscou um passo para dentro e mediu cautelosamente a distância. Como a mãe não se voltasse
Para vê-lo, deu uma corridinha em direção de seu quarto.
– Meu filho? – gritou ela.
– O que é – respondeu, com o ar mais natural que lhe foi possível.
– Que é que você está carregando aí?
Como podia ter visto alguma coisa, se nem levantara a cabeça? Sentindo-se perdido,tentou ainda ganhar tempo.
– Eu? Nada…
– Está sim. Você entrou carregando uma coisa.
Pronto: estava descoberto. Não adiantava negar – o jeito era procurar comovê-la.Veio caminhando desconsolado até a sala, mostrou à mãe o que estava carregando:
– Olha aí, mamãe: é um filhote…
Seus olhos súplices aguardavam a decisão.
– Um filhote? Onde é que você arranjou isso?
– Achei na rua. Tão bonitinho, não é, mamãe?
Sabia que não adiantava: ela já chamava o filhote de isso. Insistiu ainda:
– Deve estar com fome, olha só a carinha que ele faz.
– Trate de levar embora esse cachorro agora mesmo!
– Ah, mamãe… – já compondo uma cara de choro.
– Tem dez minutos para botar esse bicho na rua. Já disse que não quero animais aqui em casa. Tanta coisa para cuidar, Deus me livre de ainda inventar uma amolação dessas.
O menino tentou enxugar uma lágrima, não havia lágrima. Voltou para o quarto, emburrado:
A gente também não tem nenhum direito nesta casa – pensava. Um dia ainda faço um estrago louco. Meu único amigo, enxotado desta maneira!
– Que diabo também, nesta casa tudo é proibido! – gritou, lá do quarto, e ficou
esperando a reação da mãe.
– Dez minutos – repetiu ela, com firmeza.
– Todo mundo tem cachorro, só eu que não tenho.
– Você não é todo mundo.
– Também, de hoje em diante eu não estudo mais, não vou mais ao colégio, não
faço mais nada.
– Veremos – limitou-se a mãe, de novo distraída com a sua costura.
– A senhora é ruim mesmo, não tem coração!
– Sua alma, sua palma.
Conhecia bem a mãe, sabia que não haveria apelo: tinha dez minutos para brincar com seu novo amigo, e depois… ao fim de dez minutos, a voz da mãe, inexorável:
– Vamos, chega! Leva esse cachorro embora.
– Ah, mamãe, deixa! – choramingou ainda: – Meu melhor amigo, não tenho mais
ninguém nesta vida.
– E eu? Que bobagem é essa, você não tem sua mãe?
– Mãe e cachorro não é a mesma coisa.
– Deixa de conversa: obedece sua mãe.
Ele saiu, e seus olhos prometiam vingança. A mãe chegou a se preocupar: meninos nessa idade, uma injustiça praticada e eles perdem a cabeça, um recalque, complexos, essa coisa
– Pronto, mamãe!
E exibia-lhe uma nota de vinte e uma de dez: havia vendido seu melhor amigo por trinta dinheiros.
– Eu devia ter pedido cinqüenta, tenho certeza que ele dava murmurou, pensativo.


Eu gostei da crônica, pois ela é uma situação não muito comum na familia, a gente não pode um monte de coisas, é  que a mãe não deixa fazer.   

Doce Amizade - Laé de Souza

Doce Amizade

   Amigas, todo mundo precisa ter. Para fofocar, contar coisas boas que aconteceram conosco, aconselhar, ouvir. Mas têm umas e outras que "não é fácil". Tem a prestativa demais, que está sempre junto, mesmo quando não era para estar, e não se toca nem com umas diretas. Aquela que parece que adivinha nossos pensamentos. Começoua dar sede, ela já está com o copo d' água na mão, servindo cm maior delicadeza. Um amor! Só que têm horas que irrita tanta serventia.
   Tem a otimista demais. Aquela que, qualquer plano que você conta, ela tem certeza que vai dar certo e começa a fantasiar com seu sonho. Também tem a pessimista que te deixa no maior alto astral. Não adianta falar de pormenores que serão utilizados para chegar a seu objetivo que, mesmo assim, ela torce o nariz e diz que nãovai dar certo mesmo. Essas duas precisam estar sempre juntas para que se chegue a uma média ideal. Se ouvir só uma, decerto você estará numa fria. Tem, ainda, aquela sua amiga que mora lá não sei onde, que aparece em sua casa e fica alguns dias como se estivess de férias. E você trabalha, sua empregada trabalha e ela, numa boa, assistindo a filmes alugados na locadora em seu nome. Está certo que ela conta os melhores para você, mas não é a mesma coisa. Esta, pelo menos, é melhor do que antiga amiga do interior que ligou pedindo para ficar uns dias em sua casa, a fim de resolver um problema. Alojou-se, sem a menor discrição e nunca esteve nem aí se seu marido estava em casa ou não, e coloca aqueles shortinhos minúsculos. À noite, desfilava pela casacom lingerie de cores vivas. E, cada dia, com uma diferente. Lógico, até o dia em que você resolveu dar um basta.
   Existem duas maneiras de encerrar o turismo da amiga. Seja direta ou, então, dê aquela desculpa de vsitar uma tia que está doente. Sente muito... Com algumas, você tem que ser rápida e não dar tempo de ela se oferecer para ficar tomando da casa, enquanto você está fora. Tem aquela amiga, também, que não tem jeito. Você sabe que está sendo enrolada por ela, mas tem de se fazer de boba e engolir para ficar bem para as duas. Ela pede sempre uma coisa emprestada. Uma blusa para festa de aniversário a que foi convidada e dá certinho para usar com  sai dela, azul de bolinhas. Vem com aquele papo de que, passou a festa, pode contar que ela devolve, lavadinha, passadinha.
   Você olha, pelaúltima vez, a blusa e "empresta". Daí para frente, sempre tem uma dsculpa. Esqueceu, veio direto do servoço, saiu de casa com ela, mas passouna casa da tia e esqueceu o pacote. Até que, um dia, daqueles em que você quer pagar um favor que ela fez, fala que não precisa se preocupar e que é presente seu para ela. Mas, quando chega nessa hora, certamente, que há outras coisas que já foram "emprestadas". Existem algumas amigas que são tão esquecidas, que se apresentam em sua casa com a roupa que lhe foi emprestradae, na maior, não estão nem aí. Mas, não vamos exagerar, porque há algumas peças que são devolvidas. Tem uma coisa: geralmente, essa amiga, quando você precisa dela, está sempre pra te servir dsem medir sacrifícios.
   Tem aquele que aparece em casa e, mesmo você não estando, num dia quente, toma a ultima cerveja e ainda manda avisar que foi ele que tomou. Pede o carro emprestado e devolve com atraso, sem pedir desculpas e, ainda, com o tanque seco. O que empresta dinheiro e nunca mais toca no assunto. E você, lógico, fica constrangido de cobrar.
   Porém, isso tudo é excecão porque, geralmente, amigos e amigas sempre trazem coisas boas. A gente aprende, capta tranquilidade e bons fluidos. Uma coisa é certa: de um amigo a gente sempre precisa. Seja homen o mulher. E ainda: homem pode ter amizade com mulher e vice-versa, sem segunda intenções, numa boa.


Essa crônica me tocou muito, porque relata todos os tipos de amizade, existem vários tipos, mas todos são importantes para nós, portanto, nenhum pode faltar.

Paródia=Mãe exigente. Música=''Beijinho no ombro''.(Valesca Popozuda)


Desejo a todo esse menino vida boa
Pra que ele aprenda a respeitar os seus pais
E que seja inteligente na escola
Que chega em casa e de benção aos seus pais

Faça dele um menino obediente
Que depois da janta vai escovar os dentes
Mas vá já para a cama , e durma em paz
Se não eu pego e vou chamar o seu pai

REFRÃO:

Avise ao seu pai que o jantar está na mesa
Porque se não a sua mãe vai ficar fresca
Eu já te falei para você vir jantar
Porque se não depois não vai namorar

2 ESTROFE:

Ele gosta tanto de você meu garotinho
Por que tudo que ele faz é para o seu bem
Não chora não, que a mamãe está aqui
Nosso senhor não vai deixar nada acontecer

Acredito em Deus
Faço ele de escudo
Cresça e apareça não vai ser um vagabundo
Seja honesto e trabalhador
Siga seus estudos e se forme um professor.

REFRÃO:

Avise ao seu pai que o jantar está na mesa
Porque
se não a sua mãe vai ficar fresca
Eu já te falei para você vir jantar
Porque se não depois não vai namorar
                           

Do Rock - Carlos Heitor Cony

Tocam a campainha e há um estrondo em meus ouvidos. A empregada estava de folga, o remédio era atender o mau-caráter que me batia à porta àquela hora da manhã. Vejo o camarada do bigodinho com o embrulho largo e enfeitado.
— É aqui que mora a senhorita Regina Celi?
Digo que não e fulmino o importuno com um olhar cheio de ódio e sono, mas antes de fechar a porta sinto alguma coisa de íntimo naquele “senhorita Regina Celi”, sim, há uma Regina Celi em minha casa, minha própria filha, mas apenas de 12 anos, uma guria bochechuda ainda, não merecia o título e a função de senhorita.
Chamo o homem que já estava no elevador. Eram CDs, a garota encomendara um mundão de CDs numa loja próxima, e pedira que mandassem as novidades, pois as novidades estavam ali, embrulhadinhas e com a nota fiscal bem às claras.
Gemo surdamente na hora de assinar o cheque e recebo o embrulho. A garota dormia impune, o mundo podia desabar, e ninguém a despertaria do sono 12 anos. Deixo o embrulho em cima do som e volto para a cama, forçar o sono e a tranquilidade interior, abalada pelo cheque tão matutino e fora de propósito. Quando ordeno os pensamentos e ambições no estreito espaço do meu pensamento e retomo um sono e um sonho sem cor nem gosto, começa o rock.
Anos atrás, seria começa o beguine. Mas o beguine passou de moda, e o swing, o mambo, o baião e outras pragas vindas de alheias e próprias pragas. Pois aí estava o rock, matinal, cor de sangue e metal inundando o dia e o quarto com sua voz rouca, seu compasso monótono e histérico.
Purgo honestamente meus pecados e lembro o pai, que me aturava a mania pelos sambas de Ary Barroso. O velho não dizia nada, mas me olhava fundo e talvez tivesse ganas de me esganar. Mas me aturava e aturava o meu Brasil brasileiro.
Hoje, aturo o rock. Vou ao banheiro, lavo o rosto, visto um short e vou para a sala disposto a causar boa impressão à senhorita Regina Celi, que de babydoll, esbaforida, se degringola ao som de U2.
O tapete já fora arrastado e amarfanhado a um canto. Meu castiçal de prata foi profanado com a cara de um tipo até simpático que naquela manhã ganhará alguma coisa à custa do meu labor e cheque.
A senhorita Regina Celi tem a cara afogueada, os pés e as pernas avançam e ficam no mesmo lugar, o corpo todo treme e sua, até que ela me estende o braço.
— Vem, papai!
O peso dos meus invernos e minhas banhas causa breve hesitação. Mas ali estamos, eu e a senhorita Regina Celi, uma menina que ainda pego no colo e aqueço com meu amor e o meu carinho, quando ela tem medo do mundo ou de não saber os afluentes da margem esquerda do rio Amazonas na hora do exame. Ela me chama e me perdoa.
Então, aumento o volume do som, espero o tal do U2 dar um grito histérico e medonho – e esqueço o cheque, a vida e a faina humana rebolando este cansado corpo-pasto de espantos – até que o fôlego e o U2 acabem na manhã e no som.



Gostei da maneira de como o autor misturou estilos musicais, valorizando a cultura brasileira e incluindo também  o rock, mas não como uma crítica e sim como uma coisa boa. Também a maneira de como os pais agem de acordo com as ações de seus filhos, mesmo fazendo as coisas pelas costas.

TRABALHO INFANTIL - Paródia da música Seu Astral Jorge e Mateus

Você não percebe
Mas o descuido é constante
O trabalho infantil
É uma pura covardia

Ninguém dá valor
Enquanto eles sofrem noite e dia
Trabalham, trabalham
Quando deveriam estudar

Faça chuva ou faça sol
Eles estão a trabalhar
Muitas vezes não percebemos
Mas deveriamos perceber

Pois enquanto não damos valor
Eles estão a sofrer

REFRÃO:
Enquanto você ri
Eles estão chorando
Enquanto você brinca
Eles estão trabalhando
Voltamos agora
Ao tempo da escravidão
Enquanto você brinca
Eles estão trabalhando

Pelo visto ninguém tem
O amor no coração
Mas oremos e pedimos
Pra que isso um dia acabe

E que depois não seja tarde
Vamos colocar no coração
E tirar do papel
Porque como no tempo da escravidão
Sempre tem uma princesa Isabel

REFRÃO: 
Enquanto você ri
Eles estão chorando
Enquanto você brinca
Eles estão trabalhando
Voltamos agora
Ao tempo da escravidão 
Enquanto você brinca
Eles estão trabalhando



segunda-feira, 28 de abril de 2014

Festa de aniversário-fernado Sabino

Leonora chegou-se para mim, a carinha mais limpa desse mundo:
-Engoli uma tampa de coca-cola
Levantei as mãos para o céu: mais essa agora! Era uma festa de aniversário, o aniversário dela própria, que completava seis anos de idade.convoquei imediatamente a familia:
- Disse que engoliu uma tampa de coca-cola.
A mãe, os tios, os avós, todos cercavam, nervosos e inquietos. Abre a boca minha filha. Agora não adianta: já engoliu. deve ter arranhado. Mas engoliu como? Quem é que engole uma tampa de cerveja? De cerveja, não: de coca-cola. pode ter ficado da garganta-urgia que tomássemos uma providência, não ficassemos ali, feito idiotas. Peguei-a no colo: vem cá minha filinha, conta só pra mim: você não engoliu coisa nenhuma, não é isso mesmo?- Engoli sim papai!- Ela afirmava com desição. Consultei o tio, baixinho: o que é que você acha? Ele foi buscar uma tampa de garrafa, separou a cortiça do metal:
- O que é você engoliu: istou...Ou isto?
- Cuidado que ela engole outra.- Adverti.
- Isto!- E ela apontou com firmeza a parte de metal.
Não tinha dúvida:pronto-socorro. Dispus-me a carregá-la, mas alguém sugeriu que era melhor que ela fosse andando: auxiliava a digestão.
No hospital, o médico limitou-se a palpar-lhe a barriguinha, cético:
- Doi aqui, minha filha?
Quando falamos em radiografia, revelou-nos que o aparelho estava com defeito: só no pronto-socorro da cidade.
Batemos para o pronto-socorro da cidade. Outro médico nos atendeu com solicitude:
- Vamos já ver isto.
Tirada a chapa, ficamos aguardando ansiosa revelação. Em pouco o médico regressava: Engoliu foi a garrafa
- A garrafa?- Exclamei. Mas, era uma gracinha dele, cujo espírito passava muito ao largo da minha aflição: eu não estava para graças. Uma tam-pa de garrafa! Certamente precisaria operar - não haveria de sair por si mesma.
O médico pôs-se a rir de mim:
- Não engoliu coisa nenhuma. O senhor pode ir descansado.
- Engoli!- afirmou a menininha.
- Voltei-me para ela:
- Como é que você ainda insiste minha filha?
- Que eu engoli.
- Pensa que engoliu.-emendei
- Isso acontece.- sorriu i médico: - Até com gente grande. Aqui já teve um guarda que pensou ter engolido o apito.
- Pois eu engoli mesmo.- Comentou ela, instransigente.
- Você não pode ter engolido - arrematei já impaciente:- Quer saber mais do que o médico?
- Quero. Eu engoli, e depois desengoli!- Esclareceu ela.
Nada mais havendo a fazer, engoli em seco, despedi-me do médico e bati em retirada com toda a comitiva.






Eu escoli essa crônica pois, antes de tomar uma dessisão devemos esclarecer bem as coisas...

A Morte-Laé de Souza

 Nada mais triste doque perder quem se ama. Geralmente, ela acontece aos poucos e a gente sente que pode ocorrer. Dói. Mas, dói menos do que quando vem abruptamente. De qualquer forma, todos estamos sujeitos e, portanto, devemos estar preparados. O coração sempre sem rancor. De bem com a vida e com as pessoas.
 Às vezes, a semente é boa, a terra é fertil, foi bem adubada e começa a florescer, porém, a geada é imensa e poderosa... Mas, a semente pode germinar de novo... e mais forte.


 Que ás vezes não importa o quão forte que apessoa seja algo mais intenso pode a derrubar, e todos nós estamos sujeitos à morte, por isso devemos estar de bem com a vida.

Aptidão - Luís Fernando Verissimo

Abre a porta.entra o senhor pacheco.
 __Bom dia, senhor pacheco. Sente-se, por favor. Temos
uma ótima notícia para o senhor.
 __Sim, senhor.
__Como o senhor deve saber, senhor pacheco, contratamos uma firma de psicomputocratas
para fazer testes de aptidão nos dez mil empregados desta firma. Presisamosnos atualizar. Acompanhar os tempos.
__Sim, senhor.
__Os dez mil testes foram submetidps a um computador, há dois minutos, e os resultados estão aqui. O senhor é o primeiro a ser chamado porque o computador nos forneceu os resultados em rigorosa ordem alfabética.
__Mas o meu nome começa em P.
__Hum, sim, deixa ver. Pacheco. Sim. Deve ser por ordem alfabética do primeiro nome, então. Este computador é de quarta geração. Nunca erra. Como é seu primeiro nome?
__Xisto.
__Bom, isso não tem importãncia. Vamod adiante. Vejo aqui pela sua ficha que o senhor está conosco há vinte e oito anos, Seru Pacheco. Sempre na seção de entorte de frescos. O senhor nunca faltou ao serviço, nunca tirou férias, e já recebeu nosso prêmio de produção, o Alfinete de Alumínio, dezessete vvezes.
__Sim, senhor.
__O senhor começou na seção de entorte de frescos como faxineiro, depois passou a assistente de entortador, depois entortador, e hoje é o chefe de entorte.
__Sim, senhor.
__Me diga uma coisa, senhor Acheco...
__Pacheco.
__Senhor Pacheco. O senhor nunca se sentiu atraído para outra fução, além do entorte de frescoc? Nunca achou que entortar não era bem sua vocação?
__Nunca, não senhor.
__Pois veja só Senhor Pachec. O computador nos revela que a sua verdadeira vocação não é o entorte de frescos e sim o bistoque ded tronas!
__Sim, Senhor.
__O Senhor é um bistocador de tronas nato, segundo o computador. Não é fantástico? E ainda tem gente que critica a tecnologia. O senhor era um homem deslocado no entorte de frescos e não sabia. Se não fosse o teste, nunca ficaria sabendo. Claro que essa situação vai ser corrigida. O senhor, a partir deste minuto, deixa de entortar.
__Sim, senhor.
__Quanto o senhor ganha conosco, Senhor Pacheco, depois de vinte e oito anos? Mil, mil e duzentos?
__Quinhentos, não contando os alfinetes.
__Pois, sim. E sabe quanto ganha um iniciante no bistoque de tronas?Mil e quinhentos! Não é fantástico?
__Sim, senhor.
__Só tem uma coisa, Senhor Pacheco. Nossa firma não trabalha com tronas. Penssando bem, ninguém trabalha com tronas, hoje em dia.
__Olha, tanto faz. Não é mesmo ? Eu estou perfeitamente satisfeito no entorte, falta só vinte anos pra me  aposentar e ...
__Senhor Pacheco, então  a firma gasta um dinheirão para descobrir a sua verdadeira vocação e o senhor quer jogá-la fora?reconheço que o senhor tem sido um chefe de entorte perfeito. Aliás, o computador não aptidão para o entorte. Vai ser um problema substitui-lo. Mas não podemos contestar a tecnologia. O senhor está despedido. Por favor, mande3 entrar o seguinte, por ordem alfabética, o senhor Roque Lins. Psse bem.
__sim, senhor.
Sai o SEnhoR Pacheco. FEcha a porta.


















Auto - Entrevista-Fernando Verissimo

És ciumento?
    Nasci aqui na Bolivia mesmo. Nascer foi a melhor coisa que podia ter acontecido. Eu não seria o que sou hoje se não tivesse nascido. Acho que foi um parto normal. Perguntei para minha mãe mas ela insiste que não estava lá na ocaçião. Desconfiei que havia alguma coisa errada comigo porque papai trazia os amigos para me ver, no berçário, mas apontava para outro bebê. Custei a falar. Durante dois ou três anos, apesar da insistência da familiar, só dizia meu nome, minha patente e meu número de série. Sou de Libra. Minha vida é rigida por Saturno, Urano e, estranhamente, pelo maestro Issac Karabtchevsky.
  
    Já foste beijado?
         Me considero um homem de esquerda. Tenho certeza que meus filhos ainda viverão sob o socialismo. Em paris, ás minhas custas. Eu não tinha entendido o termo "capitalismo selvagem" até que um representante do FMI desceu em Brasilia, pediu que carregassem sua bagagem e um ministro da área econômica disse "Sim, bwana". Não sei se o FMI vai interferir mesmo no país mas quando sua comitiva esteve no Rio um dos seus membros foi visto apontando para o Pão de Açucar e perguntando:'O Cristo Redentor não ficaria melhor ali?" Não entendo por que uma nação inteira deva se sebmeter aos nteresses dos banqueiros internacionais. Eles não são melhores que os banqueiros nacionais. Mas não me tomem por um esquerdista radical. Não sou nenhum Jorginho Guinle.

    Preferes loira ou morena?
        Bem, penso da morte a mesma coisa que penso das multinacionais. Ela está aí, existe, não há como evitá-lá, pode até ser uma coisa boa na medida em que cria empregos, etc.- mas sou contra. Quanto á vida eterna minha preocupação não é se existe ou não, é chegar lá e encontrar os melhores lugares tomados por quem foi primeiro. Os etruscos devem ter todas as coberturas, os fenícios os terrenos do lago e a gente acaba ficando num quarto debaixo de uma escola de dança flamenca, para sempre. Mas sou um materialista agnóstico. Não acredito em nada que eu não possa pegar, apalpar, cheirar ou morder. Não acredito na Luíza Brunet, por exemplo.

    Gostas do Roberto Carlos?
        Acho que não há clima para um golpe, atualmente, no Brasil. Ainda mais no Rio, onde tem chovido muito. O que dá toda vantagem estratégica ao sapo, como se sabe.

    És cínico ou crês no amor?
         Tive uma infância comum, Classe B, fundos. Minha família era tão classe média que tinha 3.2 filhos. Minha primeira experiência sexual foi com uma vizinha mas ela nunca ficou sabendo. Parei de estudar quando decidi que a escola não estava me preparando para o que eu queria: vagabundo. Tudo que aprendi foi a vida que me ensinou. Só não me perguntem a vida de quem. Em dezesseis anos de jornalismo aprendi algumas coisas, como jamais apertar o botão marcado "Tabulador" na maquina de escrever porque desregula tudo. Sou eleitor desde 57, mas não me culpem pelo Jânio. Não fui só eu.

História triste de um Tuim - Rubem Braga

  João-de-barro é um bicho bobo que ninguém pega, embora goste de ficar perto da gente, mas de dentro daquela casa de João-de-barro vinha uma espécie de choro, um chorinho fazendo tuim, tuim, tuim....
A casa estava num galho alto, mas um menino subiu até perto, depois com uma vara de bambu conseguiu tirar a casa sem quebrar e veio baixando até o outro menino apanhar. Dentro, naquele quartinho que fica bem escondido depois do corredor de entrada para o vento não incomodar, havia três filhotes, não de João-de-barro, mas de tuim.
Você conhece, não? De todos esses periquitinhos que tem no Brasil, tuim é capaz de ser menor. Tem bico redondo e rabo curto e é todo verde, mas o macho tem umas penas azuis para enfeitar. Três filhotes, um mais feio que o outro, ainda sem penas, os três chorando.
O menino levou-os para casa, inventou comidinhas para eles, um morreu, outro morreu, ficou um. Geralmente se cria em casa é casal de tuim, especialmente para se apreciar o namorinho deles.
Mas aquele tuim macho foi criado sozinho e, como se diz na roça, criado no dedo. Passava o dia solto, esvoaçando em volta da casa da fazenda, comendo sementinhas de imbaúba. Se aperecia uma visita fazia-se aquela demonstração: era o menino chegar na varanda e gritar para o arvoredo: tuim, tuim, tuim! Às vezes demorava, então a visita achava que aquilo era brincadeira do menino, de repente surgia a ave, vinha certinho pousar no dedo do garoto.
Mas o pai disse: "menino, você está criando muito amor a esse bicho, quero avisar: tuim é acostumado a viver em bando. Esse bichinho se acostuma assim, toda tarde vem procurar sua gaiola para dormir, mas no dia que passar pela fazenda um bando de tuins, adeus. Ou você prende o tuim ou ele vai embora com os outros, mesmo ele estando preso e ouvindo o bando passar, esta arriscado ele morrer de tristeza".
E o menino vivia de ouvido no ar com medo de ouvir bando de tuim.

Foi de manhã, ele estava cantando minhoca para pescar quando viu o bando chegar, não tinha engano: era tuim, tuim, tuim... Todos desceram ali mesmo em mangueiras, mamonas e num bambuzal, dividido em partes. E o seu? Já tinha sumido, estava no meio deles, logo depois todos sumiram para uma roça de arroz, o menino gritava com o dedinho esticado para o tuim voltar, mas nada dele vir.
Só parou de chorar quando o pai chegou a cavalo, soube da coisa e disse: " venha cá". E disse: " o senhor é um homem, estava avisado do que ia acontecer, portanto, não chore mais".
O menino parou de chorar, pois seu pai o havia consolado, mas como doía seu coração! De repente, olhe o tuim na varanda! Foi uma alegria na casa que foi uma beleza, até o pai confessou que ele também estivera muito infeliz com o sumiço do tuim.
Houve quase um conselho de família, quando acabaram as férias: deixar o tuim, levar o tuim para São Paulo? Voltaram para a cidade com o tuim, o menino toda hora dando comidinha a ele na viagem. O pai avisou: "aqui na cidade ele não pode andar solto, é um bicho da roça e se perde, o senhor está avisado".
Aquilo encheu de medo o coração do menino. Fechava as janelas para soltar o tuim dentro de casa, andava com ele no dedo, ele voava pela sala, a mãe e a irmã não aprovavam, o tuim sujava dentro de casa.

Soltar um pouquinho no quintal não devia ser perigo, desde que ficasse perto, se ele quisesse voar para longe era só chamar, que voltava, mas uma vez não voltou.
De casa em casa, o menino foi indagando pelo tuim: "que é tuim?" perguntavam pessoas ignorantes. "Tuim?" Que raiva! Pedia licença para olhar no quintal de cada casa, perdeu a hora de almoçar e ir para a escola, foi para outra rua, para outra.
Teve uma idéia, foi ao armazém de "seu" Perrota: "tem gaiola para vender?" Disseram que tinha. " Venderam alguma gaiola hoje?" Tinham vendido uma para uma casa ali perto.
Foi lá, chorando, disse ao dono da casa: "se não prenderam o meu tuim então por que o senhor comprou gaiola hoje?"
O homem acabou confessando que tinha aparecido um periquitinho verde sim, de rabo curto, não sabia que chamava tuim. Ofereceu comprar, o filho dele gostara tanto, ia ficar desapontado quando voltasse da escola e não achasse mais o bichinho. "Não senhor, o tuim é meu, foi criado por mim".
Voltou para casa com o tuim no dedo.

Pegou uma tesoura: era triste, era uma judiação, mas era preciso, cortou as asinhas, assim o bichinho poderia andar solto no quintal, e nunca mais fugiria.
Depois foi dentro de casa para fazer uma coisa que estava precisando fazer, e, quando voltou para dar comida a seu tuim, viu só algumas penas verdes e as manchas de sangue no cimento. Subiu num caixote para olhar por cima do muro, e ainda viu o vulto de um gato ruivo que sumia.

Acabou-se a triste história do tuim.

Temos que dar valor para tudo, porque não sabemos como as coisas vão mudar, Hoje é  uma realidade, amanha pode ser outra.

Ja Cresci - Laé de Souza

Se a quela tia que voce não ve,faz um tempão ,surege no cenário ,numa visita a mamãe, e vem com aqueles papos "Nossa como cresceu, está uma moçona" (que novidade);"Garanto que já está namorando "(não,Pedro de..."(não toca nesse assunto , que detesto); "( já não chega a bronca do papai ,agora essa );"Dá um beijo aqui na tia. Sentiu minha falta ?" (demais...). Controle-se, porque é por algumas horas apenas , logo ela desaparece de novo . De uma de que tem de estudar ,tranque-se no quarto ou, então, diga que estava de saída e de o fora. Agora, se a mamãe é daquelas que não aceitam comportamento antissocial , segure firme e nada de resposta malcriada, tá bom?

A Arte de Ser Avó- Rachel de Queiroz

  Netos são como heranças: você os ganha sem merecer. Sem ter feito nada para isso, de repente lhe caem do céu. É, como dizem os ingleses, um ato de Deus. Sem se passarem as penas do amor, sem os compromissos do matrimônio, sem as dores da maternidade. E não se trata de um filho apenas suposto, como o filho adotado: o neto é realmente o sangue do seu sangue, filho de filho, mais filho que o filho mesmo...

Quarenta anos, quarenta e cinco... Você sente, obscuramente, nos seus ossos, que o tempo passou mais depressa do que esperava. Não lhe incomoda envelhecer, é claro. A velhice tem as suas alegrias, as suas compensações - todos dizem isso embora você, pessoalmente, ainda não as tenha descoberto - mas acredita.

Todavia, também obscuramente, também sentida nos seus ossos, às vezes lhe dá aquela nostalgia da mocidade. Não de amores nem de paixões: a doçura da meia-idade não lhe exige essas efervescências. A saudade é de alguma coisa que você tinha e lhe fugiu sutilmente junto com a mocidade. Bracinhos de criança no seu pescoço. Choro de criança. O tumulto da presença infantil ao seu redor. Meu Deus, para onde foram as suas crianças? Naqueles adultos cheios de problemas que hoje são os filhos, que têm sogro e sogra, cônjuge, emprego, apartamento a prestações, você não encontra de modo nenhum as suas crianças perdidas. São homens e mulheres - não são mais aqueles que você recorda.


E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino. Completamente grátis - nisso é que está a maravilha. Sem dores, sem choro, aquela criancinha da sua raça, da qual você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida. Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino seu que lhe é "devolvido". E o espantoso é que todos lhe reconhecem o seu direito de o amar com extravagância; ao contrário, causaria escândalo e decepção se você não o acolhesse imediatamente com todo aquele amor recalcado que há anos se acumulava, desdenhado, no seu coração.

Sim, tenho certeza de que a vida nos dá os netos para nos compensar de todas as mutilações trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e felizes que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado pelos arroubos juvenis. Aliás, desconfio muito de que netos são melhores que namorados, pois que as violências da mocidade produzem mais lágrimas do que enlevos. Se o Doutor Fausto fosse avó, trocaria calmamente dez Margaridas por um neto...

No entanto - no entanto! - nem tudo são flores no caminho da avó. Há, acima de tudo, o entrave maior, a grande rival: a mãe. Não importa que ela, em si, seja sua filha. Não deixa por isso de ser a mãe do garoto. Não importa que ela, hipocritamente, ensine o menino a lhe dar beijos e a lhe chamar de "vovozinha", e lhe conte que de noite, às vezes, ele de repente acorda e pergunta por você. São lisonjas, nada mais. No fundo ela é rival mesmo. Rigorosamente, nas suas posições respectivas, a mãe e a avó representam, em relação ao neto, papéis muito semelhantes ao da esposa e da amante dos triângulos conjugais. A mãe tem todas as vantagens da domesticidade e da presença constante. Dorme com ele, dá-lhe de comer, dá-lhe banho, veste-o. Embala-o de noite. Contra si tem a fadiga da rotina, a obrigação de educar e o ônus de castigar.

Já a avó, não tem direitos legais, mas oferece a sedução do romance e do imprevisto. Mora em outra casa. Traz presentes. Faz coisas não programadas. Leva a passear, "não ralha nunca". Deixa lambuzar de pirulitos. Não tem a menor pretensão pedagógica. É a confidente das horas de ressentimento, o último recurso nos momentos de opressão, a secreta aliada nas crises de rebeldia. Uma noite passada em sua casa é uma deliciosa fuga à rotina, tem todos os encantos de uma aventura. Lá não há linha divisória entre o proibido e o permitido, antes uma maravilhosa subversão da disciplina. Dormir sem lavar as mãos, recusar a sopa e comer roquetes, tomar café - café! -, mexer no armário da louça, fazer trem com as cadeiras da sala, destruir revistas, derramar a água do gato, acender e apagar a luz elétrica mil vezes se quiser - e até fingir que está discando o telefone. Riscar a parede com o lápis dizendo que foi sem querer - e ser acreditado! Fazer má-criação aos gritos e, em vez de apanhar, ir para os braços da avó, e de lá escutar os debates sobre os perigos e os erros da educação moderna...


Sabe-se que, no reino dos céus, o cristão defunto desfruta os mais requintados prazeres da alma. Porém, esses prazeres não estarão muito acima da alegria de sair de mãos dadas com o seu neto, numa manhã de sol. E olhe que aqui embaixo você ainda tem o direito de sentir orgulho, que aos bem-aventurados será defeso. Meu Deus, o olhar das outras avós, com os seus filhotes magricelas ou obesos, a morrerem de inveja do seu maravilhoso neto!

E quando você vai embalar o menino e ele, tonto de sono, abre um olho, lhe reconhece, sorri e diz: "Vó!", seu coração estala de felicidade, como pão ao forno.

E o misterioso entendimento que há entre avó e neto, na hora em que a mãe o castiga, e ele olha para você, sabendo que se você não ousa intervir abertamente, pelo menos lhe dá sua incondicional cumplicidade...

Até as coisas negativas se viram em alegrias quando se intrometem entre avó e neto: o bibelô de estimação que se quebrou porque o menininho - involuntariamente! - bateu com a bola nele. Está quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações: os cacos na mãozinha, os olhos arregalados, o beiço pronto para o choro; e depois o sorriso malandro e aliviado porque "ninguém" se zangou, o culpado foi a bola mesma, não foi, Vó? Era um simples boneco que custou caro. Hoje é relíquia: não tem dinheiro que pague...

Eu escolhi esta crônica porque mostra o valor que nós netos temo para nossos avós, sempre estão nos apoiando e pedindo se estamos com fome, são uma segunda mãe, não veêm os limites do certo e do errado, e para eles, nós somos uma alegria quando vamos visita-los. 

Ser Brotinho-Paulo Mendes Campos

 Ser brotinho não é viver em um píncaro azulado: é muito mais! Ser brotinho é sorrir bastante dos homens e rir interminavelmente das mulheres, rir como se o ridículo, visível ou invisível, provocasse uma tosse de riso irresistível.

  Ser brotinho é não usar pintura alguma, às vezes, e ficar de cara lambida, os cabelos desarrumados como se ventasse forte, o corpo todo apagado dentro de um vestido tão de propósito sem graça, mas lançando fogo pelos olhos. Ser brotinho é lançar fogo pelos olhos.

  É viver a tarde inteira, em uma atitude esquemática, a contemplar o teto, só para poder contar depois que ficou a tarde inteira olhando para cima, sem pensar em nada. É passar um dia todo descalça no apartamento da amiga comendo comida de lata e cortar o dedo. Ser brotinho é ainda possuir vitrola própria e perambular pelas ruas do bairro com um ar sonso-vagaroso, abraçada a uma porção de elepês coloridos. É dizer a palavra feia precisamente no instante em que essa palavra se faz imprescindível e tão inteligente e natural. É também falar legal e bárbaro com um timbre tão por cima das vãs agitações humanas, uma inflexão tão certa de que tudo neste mundo passa depressa e não tem a menor importância.

  Ser brotinho é poder usar óculos como se fosse enfeite, como um adjetivo para o rosto e para o espírito. É esvaziar o sentido das coisas que transbordam de sentido, mas é também dar sentido de repente ao vácuo absoluto. É aguardar com paciência e frieza o momento exato de vingar-se da má amiga. É ter a bolsa cheia de pedacinhos de papel, recados que os anacolutos tornam misteriosos, anotações criptográficas sobre o tributo da natureza feminina, uma cédula de dois cruzeiros com uma sentença hermética escrita a batom, toda uma biografia esparsa que pode ser atirada de súbito ao vento que passa. Ser brotinho é a inclinação do momento.

  É telefonar muito, estendida no chão. É querer ser rapaz de vez em quando só para vaguear sozinha de madrugada pelas ruas da cidade. Achar muito bonito um homem muito feio; achar tão simpática uma senhora tão antipática. É fumar quase um maço de cigarros na sacada do apartamento, pensando coisas brancas, pretas, vermelhas, amarelas.

  Ser brotinho é comparar o amigo do pai a um pincel de barba, e a gente vai ver está certo: o amigo do pai parece um pincel de barba. É sentir uma vontade doida de tomar banho de mar de noite e sem roupa, completamente. É ficar eufórica à vista de uma cascata. Falar inglês sem saber verbos irregulares. É ter comprado na feira um vestidinho gozado e bacanérrimo.

  É ainda ser brotinho chegar em casa ensopada de chuva, úmida camélia, e dizer para a mãe que veio andando devagar para molhar-se mais. É ter saído um dia com uma rosa vermelha na mão, e todo mundo pensou com piedade que ela era uma louca varrida. É ir sempre ao cinema mas com um jeito de quem não espera mais nada desta vida. É ter uma vez bebido dois gins, quatro uísques, cinco taças de champanha e uma de cinzano sem sentir nada, mas ter outra vez bebido só um cálice de vinho do Porto e ter dado um vexame modelo grande. É o dom de falar sobre futebol e política como se o presente fosse passado, e vice-versa.

  Ser brotinho é atravessar de ponta a ponta o salão da festa com uma indiferença mortal pelas mulheres presentes e ausentes. Ter estudado ballet e desistido, apesar de tantos telefonemas de Madame Saint-Quentin. Ter trazido para casa um gatinho magro que miava de fome e ter aberto uma lata de salmão para o coitado. Mas o bichinho comeu o salmão e morreu. É ficar pasmada no escuro da varanda sem contar para ninguém a miserável traição. Amanhecer chorando, anoitecer dançando. É manter o ritmo na melodia dissonante. Usar o mais caro perfume de blusa grossa e blue-jeans. Ter horror de gente morta, ladrão dentro de casa, fantasmas e baratas. Ter compaixão de um só mendigo entre todos os outros mendigos da Terra. Permanecer apaixonada a eternidade de um mês por um violinista estrangeiro de quinta ordem. Eventualmente, ser brotinho é como se não fosse, sentindo-se quase a cair do galho, de tão amadurecida em todo o seu ser. É fazer marcação cerrada sobre a presunção incomensurável dos homens. Tomar uma pose, ora de soneto moderno, ora de minueto, sem que se dissipe a unidade essencial. É policiar parentes, amigos, mestres e mestras com um ar songamonga de quem nada vê, nada ouve, nada fala.

  Ser brotinho é adorar. Adorar o impossível. Ser brotinho é detestar. Detestar o possível. É acordar ao meio-dia com uma cara horrível, comer somente e lentamente uma fruta meio verde, e ficar de pijama telefonando até a hora do jantar, e não jantar, e ir devorar um sanduíche americano na esquina, tão estranha é a vida sobre a Terra.



 Escolhi essa crônica pois mostra que você pode ser uma pessoa mais alegre sem se preocupar com detalhes do dia-dia.

O Enforcado

Estava lendo no onibus O Continente 1,primeira parte da triologia O tempo e o vento, de Érico Verissimo. Lá pela página 194, o narrador fala de uma figueira no qual Bibiana brincava quando criança e onde encontrou enforcado, num dos galhos da árvore, um tal de Inocêncio Carijó.
A cena foi descrita desta maneira: "fora ela a primeira a ver o corpo, de manhãzinha. A princípio pensou que o homem estava brincando de se balançar. Aproximou-se dele e quando lhe viu a cara soltou um grito. Inocêncio estava completamente roxo, de língua de fora e olhos saltados das órbitas".
Nessa parte fechei o livro e comecei a lembrar de um rapaz que conhecia e também se enforcou numa árvore. Não nos víamo há tempo; ele, como eu, tinha nascido em Santa Cruz, e seu pai era amigo do meu. Se não me falha a memória, parece que chegamos a brincar juntos algumas vezes.
Nicolau era um guri quieto, cheio de manias. Minha mãe disse que ele era esquizofrênico. Também contou que ele usava camisas com todos os botões fechados e que não parava de arrumar a cama até que as cobertas estivessem bem esticadas.
Um dia meus pais foram num churrasco no sítio onde o Nicolau morava. Era na primavera de 1988. Quando voltaram, disseram que ele havia se matado. Quem o encontrou fou meu pai, que, após comerem, tinha saído para caminhar e conhecer a propiedade que o amigo comprara a fim de dar um pouco de paz à familía. "O guri, meu filho, tava pendurado e com língua de fora", disse meu pai. "Saí correndo, mas queria não chegar onde os pais dele estavam. Foi uma tristeza tirar o Nico dali", concluiu.
Quando essa lembrança deu uma folga no meu pensamento, olhei pela janela e vi que a parada onde deveria crescer ia fícando para trás. Dei sinal e desembarquei na outra. Vim para casa com a idéia de transformar o que lembrara nesta crônicas, para, depois, abrir novamente o livro e continuar a leitura
 da história que consgrou Érico Verissimo.


A crônica conta a historia de um amigo que foi enforcado tentando continuar a historia de Érico Verissimo

O Pequeno Manual do Grande Manuel-Carlos Heitor Cony

  Anunciava-se como "O Grande Manuel". Era português, alto, parecido com o John Carradine. Vinha pelo meio da tarde, trancava-se no salão de festas com suas malas. O forte dele era um número de bandeiras, bandeiras de todos os clubes e nações, bandeiras de entidades e coisas inexistentes que iam saindo de sua formidável piteira.
  Como, por que e onde o Grande Manuel começou a fazer mágicas são coisas da vida, de maneira geral, e dos mãgicos em especial. Veio de Portugal para plantar batatas não sei onde. À cultura das batatas preferiu a cultura das ilusões: plantava um relógio no vaso, do vaso nascia um ovo, do ovo nascia a pomba. Plantar batatas talvez fosse menos trabalhoso mas as mágicas davam-lhe glória. Não era um Manuel qualquer. Era o Grande Manuel.
  Mas até os grandes Manuéis vivem de coisas pequenas. A dele chamava-se "O Pequeno Manual dos Mágicos". Uma tarde, ele esqueceu o manual numa cadeira, nós pegamos o livrinho, descobrimos os  truques todos. À noite, quando o Grande Manuel dizia: -"Olhem aqui, este guarda-chuva!", nós berrávamos: -"Não é guarda-chuva, é uma espingarda!"
  Nunca mais o Grande Manuel foi contratado para deslumbrar nossos dias de festa. Deveria andar por aí, vendendo suas mágicas pelos cafundós do mundo. Ontem, ao abrir a porta lá de casa, vi o homem. O mesmo jeito de John Carradine, mais velho, o mesmo sotaque. Só não era o Grande Manuel. Era o Manuel dos Santos, técnico da loja que me vendeu um aspirador de pó. Não me reconheceu, eu era um menino no meio de duzentos meninos.
  Examinou o aspirador, abriu a maleta das ferramentas. Vi um livro velho, amarelado, não, não era o pequeno manual e sim a genda dos clientes que precisava visitar. Mesmo assim, temi que ele repetisse o Grande Manuel e transformasse meu aspirador em liqudificador. Temi em vão. Numa época em que somos todos um pouco mágicos, ele pendurou suas chuteiras. Não me cobrou nada, a peça estava na garantia. E nunca entenderá por que lhe dei tão generosa gorgeta pela troca de um parafuso. A ele, que trocava flores em pássaros, perseguindo a gorgeta do aplauso e da glória que brotava de seus dedos encantados.


  Escolhi essa crônica porque ela é uma reflexão sobre o que a sociedade humana às vezes acaba cometendo, no caso, revelar os segredos de outras pessoas e por causa disso destruir a vida do outro.

Um Amor Conquistado (Clarice Lispector)

 Encontrei Ivan Lessa na fila de lotação do bairro e estávamos conversando quando Ivan se espantou e me disse: olhe que coisa esquisita. Olhei para trás e vi, da esquina para a gente, um homem vindo com o seu tranquilo cachorro puxado pela correia. Só que não era cachorro. A atitude toda era de cachorro, e a do homem era a de um homem com o seu cão. Este é que não era. Tinha focinho acompridado de quem pode beber em copo fundo, rabo longo e duro - poderia, é verdade, ser apenas uma variação individual da raça. Ivan levantou a hipótese de quati, mas achei o bicho muito cachorro demais para ser quati, ou seria o quati mais resignado e enganado que jamais vi. Enquanto isso, o homem calmamente vindo. Calmamente, não; havia uma tensão nele, era uma calma de quem aceitou luta: seu ar era de um natural desafiador. Não se tratava de um pitoresco; era por coragem que andava em público com o seu bicho. Ivan sugeriu a hipótese de outro animal de que na hora não se lembrou o nome. Mas nada me convencia. Só depois entendi que minha atrapalhação não era propriamente minha, vinha de que aquele bicho já não sabia mais quem ele era, e não podia portanto me transmitir uma imagem nítida.
Até que o homem passou perto. Sem sorriso, costas duras, altivamente se expondo - não, nunca foi fácil passar diante da fila humana. Fingia prescindir de admiração ou piedade; mas cada um de nós reconhece o martírio de quem está protegendo um sonho.
 - Que bicho é esse? - perguntei-lhe, e intuitivamente meu tom foi suave para não feri-lo com uma curiosidade. Perguntei que bicho era aquele, mas na pergunta o tom talvez incluísse: "por que é que você faz isso? que carência é essa que faz você inventar um cachorro? e por que não um cachorro mesmo, então? pois se os cachorros existem! Ou você não teve outro modo de possuir a graça desse bicho senão com uma coleira? mas você esmaga uma rosa se apertá-la com força!" Sei que o tom é uma unidade indivisível por palavras, sei que estou esmagando uma rosa, mas estilhaçar o silêncio em palavras é um dos meus modos desajeitados de amar o silêncio, e é assim que muitas vezes tenho matado o que compreendo. ( Se bem que, glória a Deus, sei mais silêncio que palavras.)
 O homem, sem parar, respondeu curto, embora sem aspereza. E era quati mesmo. Ficamos olhando. Nem Ivan nem eu sorrimos, ninguém na fila riu - esse era o tom, essa era a intuição. Ficamos olhando.
 Era um quati que se pensava cachorro. Às vezes, com seus gestos de cachorro, retinha o passo para cheirar coisas, o que retesava a correia e retinha um pouco o dono, na usual sincronização de homem e cachorro. Fiquei olhando esse quati que não sabe quem é. Imagino: se o homem o leva para brincar na praça, tem uma hora que o quati se constrange todo: "mas, santo Deus, por que é que os cachorros me olham tanto?" Imagino também que, depois de um perfeito dia de cachorro, o quati se diga melancólico, olhando as estrelas: "que tenho afinal? que me falta? sou tão feliz como qualquer cachorro, por que então este vazio, esta nostalgia/ que ânsia é esta, como se eu só amasse o que não conheço?" E o homem, o único a poder delivrá-lo da pergunta, esse homem nunca lhe dirá para não perdê-lo para sempre.
 Penso também na iminência de ódio que há no quati. Ele sente amor e gratidão pelo homem. Mas por dentro não há como a verdade deixar de existir: e o quati só não percebe que o odeia porque está vitalmente confuso.
Mas se ao quati fosse de súbito revelado o mistério de sua verdadeira natureza? Tremo ao pensar no fatal acaso que fizesse esse quati inesperadamente defrontar-se com outro quati, e nele reconhecer-se, ao pensar nesse instante em que ele ia sentir o mais feliz pudor que nos é dado: eu... nós... Bem sei, ele teria direito, quando soubesse, de massacrar o homem com o ódio pelo que de pior um ser pode fazer a outro ser - adulterar-lhe a essência a fim de usá-lo. Eu sou pelo bicho, tomo o partido das vítimas do amor ruim. Mas imploro ao quati que perdoe ao homem, e que o perdoe com muito amor. Antes de abandoná-lo, é claro


Escolhi essa crônica, pois ela nos mostra que apesar das diferenças, uma pessoa pode amar outra, ou pode amar algo diferente, como um animal! Que apesar das diferenças, podemos amar e aceitar todos como realmente são. E que apesar de sermos diferentes, temos que em primeiro lugar nos aceitar do jeito que somos, e sermos felizes mesmo assim, vivendo e aprendendo do mesmo modo!

Tentação - Clarice Lispector

   Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.
   Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desalento. Na rua deserta nenhum sinal de bonde. Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária. Que importava se num dia futuro sua marca ia fazê-la erguer insolente uma cabeça de mulher? Por enquanto ela estava sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado, apertando-a contra os joelhos.
   Foi quando se aproximou a sua outra metade neste mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comunicação surgiu no ângulo quente da esquina, acompanhando uma senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um basset lindo e miserável, doce sob a sua fatalidade. Era um basset ruivo.
   Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro.
   A menina abriu os olhos pasmada. Suavemente avisado, o cachorro estacou diante dela. Sua língua vibrava. Ambos se olhavam.
    Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tempo se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo.
    Os pêlos de ambos eram curtos, vermelhos.
   Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se com urgência, com encabulamento, surpreendidos.
   No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol, ali estava a solução para a criança vermelha. E no meio de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães maiores, de tantos esgotos secos - lá estava uma menina, como se fora carne de sua ruiva carne. Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes de Grajaú. Mais um instante e o suspenso sonho se quebraria, cedendo talvez à gravidade com que se pediam.
   Mas ambos eram comprometidos.
   Ela com sua infância impossível, o centro da inocência que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele, com sua natureza aprisionada.
   A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se da menina e saiu sonâmbulo. Ela ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-la dobrar a outra esquina.
   Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás.
  

    Escolhi esta crônica, porque ela nos mostra como uma garota pode se identificar com um cachorro. Na crônica eles não podem ficar juntos pois o cachorro já tinha dono,  é uma crônica realmente interessante, pois nos mostra como os animais são importantes na vida das pessoas.